2-6-2012
1.A importância do Porto de Sal-Rei para o desenvolvimento da Ilha
«No princípio era o porto…»
1.A importância do Porto de Sal-Rei para o desenvolvimento da Ilha
O Porto de
Sal-Rei foi, ao longo da história da Boa Vista, sempre um fator central do
desenvolvimento da Ilha e não só. Em todas as fases da história económica da
Ilha, lá esteve o porto da Baía de Sal-Rei bem presente, como ponto de
escoamento e de recebimento de pessoas e bens. Da minha infância recordo-me da
exportação da cal, das conservas de atum, de produtos de cerâmica local, vasos,
moringos, potes, do carvão, da tchacina, da tâmara, das peles, e de tudo o
resto que o génio boa-vistense soube conquistar à sua relação com a natureza.
E é por
isso, por esse girar à volta do Porto, então situado na mais bela baía do
mundo, que a cidade de Sal-Rei, para os boa-vistenses, sobretudo os do
interior, foi sempre mais conhecida como Porto do que como Sal-Rei.
Dizia-se : «‘m t tâ bá pa Porrte ( com um «r» bem carregado, que espantou o linguista Baltasar Lopes, que só conhecia dois tipos de «r») », e não « m' t tâ bá pa Sal-Rei» !
Dizia-se : «‘m t tâ bá pa Porrte ( com um «r» bem carregado, que espantou o linguista Baltasar Lopes, que só conhecia dois tipos de «r») », e não « m' t tâ bá pa Sal-Rei» !
Porto sim,
também, porque os boa-vistenses sempre sentiram de forma especial a chamada do
mar.
Praticamente
em todas as famílias havia pelo menos um homem do mar, e muitas vezes um
lobo-do-mar, esta gente destemida, face à fúria dos elementos da natureza, e
apai-xonada pela navegação e pelas coisas do mar.
Era o tempo em que o homem boa-vistense, com o seu orgulho muito peculiar e muita honra no trabalho, sabia dizer, com Djidjungo, o autor da morna 27 de Setembro, «anôz é ca homenz di péna, ma tamé nu tem nôz valor, enquanto nu tem nôz meio di Baía qui ta dóne tude qui nu crê».
Era o tempo em que o homem boa-vistense, com o seu orgulho muito peculiar e muita honra no trabalho, sabia dizer, com Djidjungo, o autor da morna 27 de Setembro, «anôz é ca homenz di péna, ma tamé nu tem nôz valor, enquanto nu tem nôz meio di Baía qui ta dóne tude qui nu crê».
Que hino mais
belo à dignidade e à ética do trabalho.
2. A
importância do Porto de Sal-Rei para o desenvolvimento de Cabo Verde tal como o
Aeroporto
Hoje, com
certeza, que a importância do Porto de Sal-Rei, que foi deslocado do Centro da
Baía de Sal-Rei para a zona do Cemitério da Pedra Alta, continua a ser enorme
para a vida das populações locais e para as empresas instaladas na outrora Ilha
de S. Cristóvão, mas também para a efetivação da política de desenvolvimento
com base no turismo e na atração do investimento direto externo.
Basta dizer
que, mesmo com a atual situação, e contrariamente ao catastrofismo
eleitoraleiro de alguns, o número de escalas de barcos na Ilha tem crescido
consideravelmente e o tráfego de mercadorias, com uma ou outra flutuação,
também tem aumentado nítidamente. Assim, em 2011, por exemplo, o movimento de
mercadorias no Porto de Sal-Rei foi de mais de 85.700 toneladas, registando-se
contudo um ligeiro decréscimo nas mercadorias de longo curso.
Como toda a
gente sabe, a Ilha da Boa Vista aumentou exponencialmente a sua população nos
últimos anos e regista uma presença de largos milhares de turistas por ano que
se instalam nas múltiplas infraestruturas hoteleiras espalhadas ao longo de
Sal-Rei e Rabil e na Praia do Lacacão. Só em 2011, 39% dos 475.294 turistas que
entraram em Cabo Verde preferiram como destino a Ilha da Boa Vista.
A par disso,
há projetos de construção importantes por arrancar na Ilha, designadamente na
Zona da Santa Mónica. Ora, a presença de mais pessoas e empresas na Ilha implica
a importação de muitos bens para o consumo alimentar, máquinas e equipamentos
para as obras da construção civil e para os hotéis e pensões.
Além disso,
é expectável que a população cresça ainda mais nos próximos anos, pois de há um
tempo a esta parte, por cada pessoa que embarca no Porto de Sal- Rei
desembarcam duas. Isto, sem contar com as chegadas de avião.
Por isso, a
obra de ampliação do Porto é de uma importância vital para a sociedade e para a
Economia.
A
importância desta obra que inclui designadamente, um quebra-mar de 1000 metros
e um cais de 160 metros, ultrapassa de longe a Boa Vista, pois a realização
desta infraes-trutura, tal como a do Aeroporto Internacional do Rabil, é decisiva para as
perspectivas de desenvolvimento nacional. Na verdade, com a construção de um
Porto moderno e funcional e do Aeroporto «Aristides Pereira», o Governo do
PAICV está dando à Ilha melhores condições de desenvolvimento, contrariamente à
perspectiva daqueles que falaram do Aeroporto do Rabil aquilo que Maomé não
falou do toucinho.
Ao mesmo
tempo, aproveitando-se as potencialidades da Ilha da Boavista está-se a
promover ainda mais o desenvolvimento do país e a assegurar importantes fontes
de receitas para os cofres do Estado nacional.
Basta notar
que as Alfândegas da Boa Vista arrecadaram no ano de 2011 mais de 612 mil
contos e a Repartição de Finanças de Sal-Rei cobrou de receitas mais de 617 mil
contos, num total de mais de 1,2 milhões de contos.
Em boa hora,
o Governo do PAICV decidiu, contra ventos e marés, assumir a sua
responsabilidade de acudir à reivindicação da sociedade, em especial dos
empresários, que queriam um novo porto e um novo rumo para a Ilha e para o
País.
Ora, esta responsabilidade assumida ontem, não pode, nem deve esmorecer hoje.
Ora, esta responsabilidade assumida ontem, não pode, nem deve esmorecer hoje.
3. O
problema da paralisação dos trabalhos e a necessidade de o resolver com rapidez
e segurança, mas também acautelando todos os interesses públicos nacionais.
A
paralisação dos trabalhos, na sequência dos estragos verificados no quebra-mar
que se está a construir, foi uma necessidade imposta pelas circunstâncias
decorrentes even-tualmente também de falhas na elaboração do projeto. O mar de
Pedra Alta - independentemente das subtilezas técnicas em torno da chamada
«onda do projeto» foi mais brabo do que os projetistas terão pensado. Andou, no
entanto, bem o Governo, ao mandar suspender as obras em curso para efeito das
correções necessárias, com vista a salvaguardar a qualidade dos trabalhos, a
segurança das infraestruturas e a durabilidade da obra, que é situada numa das
zonas da Ilha onde o mar costuma ser excecionalmente violento.
Lembro-me na
minha infância, teria eu uns sete - oito anos, de mortes trágicas aí acorridas,
aquando, por exemplo, do naufrágio do navio «Vera Cruz».
Lembro-me,
já mais tarde, já eu era adulto, também de várias pessoas ilustres e sabedoras,
entre elas também o meu saudoso pai Xavier, que não escondiam o seu ceticismo
quando nos idos de oitenta se falava do projeto de construir o cais na zona do
Mantéu e da Pedra Alta.
Portanto,
era de se esperar que o mar brabo, que roubou impiedosamente, a vida do
ca-pitão Manel de Titije, Nha Banda e outros no «Vera Cruz», nos pregasse
alguma partida, como veio a acontecer em Outubro/ Novembro de 2011.
Somos de uma
geração que, provavelmente, acredita mais na técnica do que a dos nossos pais.
Talvez, também, estejamos todos de acordo, que não faria mal ao mundo, bem pelo
contrário, se de vez em quando, os técnicos e outros responsáveis não só
fizessem o seu importante serviço de gabinete e laboratório, mas também se
dessem ao trabalho de escutar as informações, os sinais e as advertências da
sabedoria popular das gentes das Ilhas.
O Presidente
Senghor, do Senegal, na sua eloquência proverbial talvez dissesse, c' est une
question de méthode. Na verdade esta simples questão de método, que consiste em
saber escutar as pessoas, pode ajudar a poupar tempo e dinheiro ao Estado e aos
contribuintes.
A Ilha da
Boa Vista, que só conta neste momento com uma grande obra em curso, está
perante inúmeros desafios: o desafio da dinamização da economia local, o
desafio do fornecimento de bens e mercadorias para a economia e as populações,
o desafio da geração de emprego e do combate à pobreza, o desafio da
qualificação da mão - de -obra local e de abertura de melhores oportunidades
para os seus jovens. Alguns destes desafios só poderão ser resolvidos se as
obras do porto forem retomadas e realizadas com a celeridade e a segurança
necessárias.
Por isso,
apelamos ao Governo, em linha com as suas responsabilidades públicas, a tudo
fazer para que as obras sejam retomadas o mais urgentemente possível, logo que
as condições de segurança, qualidade e durabilidade do produto final possam ser
ga-rantidas. Qualquer dia de atraso na finalização dos trabalhos é demasiado,
porque são oportunidades que se perdem, que vão por água abaixo, oportunidades
que as pessoas perdem, que as empresas perdem, que a Ilha e o País também
perdem.
O nosso
apelo, como Deputado, é também no sentido de serem acautelados todos os
interesses públicos, pois a obra tem um custo muito elevado (mais de 32 milhões
de euros ou 3,5 milhões de contos).
4. Boa Vista
precisa de uma atenção acrescida do Estado inteiro
Esta
interpelação tem por foco a Boa Vista, uma Ilha que não quer ser vista apenas
como um cartão postal, como a Ilha da Morna, a Ilha dos Marinheiros ou a Ilha
Fantástica, ou então na sua versão utilitarista como o «Eldorado para alguns»
ou a «galinha dos ovos de ouro», para outros.
É uma Ilha
com uma boa perspectiva de desenvolvimento, mas também com muitos problemas que
precisam de ser encarados de frente com uma atenção acrescida de todos, tendo
em conta que o desenvolvimento é muito mais do que infraestruturas, é um
complexo de realizações em todos os planos da vida, económica, social e
cultural, é equilíbrio social e igualdade de oportunidades para as pessoas e
famílias.
Os
boa-vistenses, tendo em conta a função da sua ilha na divisão nacional do
trabalho, reclamam sobretudo ao Poder Local um investimento mais consistente na
qualidade urbana da sua cidade e povoações;
Os
boa-vistenses reclamam ao Estado, apesar do que está sendo efeito, com o
«Programa Casa para Todos», políticas públicas de solidariedade mais
consistentes para a Ilha, formação profissional, trabalho e integração mais
eficaz das populações locais; de particular importância serão a extensão do
Programa de Luta contra a Pobreza à Ilha e a criação de uma Escola de Formação
Profissional na Ilha e o acesso equitativo ao ensino superior, pois o
investimento nos recursos humanos é inseparável do desenvolvimento económico em
geral.
Sabemos que
para o bem-estar das populações e para o desenvolvimento do turismo, precisamos
de investir mais na qualidade ambiental, no saneamento, na proteção da
biodiversidade, na luta contra a desertificação e na agricultura e pecuária.
Não
ignoramos também que é preciso conciliar o meio ambiente com a economia, mas
que isto nem sempre é fácil, pois nos dias que correm não faltam projetos que,
a pretexto da preservação do meio ambiente, podem criar situações económicas
que pela sua lógica intrínseca do lucro geram, na falta de apertada vigilância
e medidas sancionatórias, inevitavelmente não só mais danos ao meio ambiente
como também o lamentável e condenável afastamento das populações locais do seu
meio secular. Esta relação com o território, com a natureza é um fator gerador
da identidade das pessoas e por isso, ela não pode ser subvertida, sob pena de
se por em causa valores essenciais de respeito e dignidade da pessoa humana,
pois o homem é, como dizia alguém, ele e a sua circunstância.
Os amanhãs
que vêm, se cantarem, e acredito que sim, têm de cantar para todos! E o
boa-vistense poderá dizer também como o insigne poeta chileno Pablo Neruda «
tambièn como la tierra yo pertenezco a todos».
Uma nota
mais sobre a questão do ambiente.
A meu ver,
todas as decisões que têm um potencial de perturbar a relação das pessoas com o
seu ambiente de vida, devem merecer uma criteriosa auscultação e um diálogo
prévio com as populações afetadas, sob pena de se por em perigo a coesão social
e a legitimidade do Estado. Ouvir as suas populações quanto às decisões
fundamentais que as afetam e podem por em causa as seculares relações que elas
mantêm com o seu território é uma exigência fundamental de bom senso e de boa
governação, como aliás o governo em geral tem procurado fazer muitas vezes.
(Saúdo, por isso, aqui a decisão que o governo tomou de suspender o projeto
para o ilhéu de Sal-Rei).
Por outro
lado, as populações da Boa Vista confiam em como o Governo saberá com a
urgência que o caso requer realizar os esperados investimentos na qualidade das
infraestruturas do Estado, sem esquecer a simbologia do Estado, que precisa de
se afirmar num contexto em que alguns pretendem expulsar o Estado do seu
próprio território: assim, por exemplo a construção de um Palácio da Justiça
não só funcional, mas esteticamente bem concebido, a construção de uma Escola
Secundária digna desse nome, são uma contribuição essencial não só para a
melhoria das condições da Justiça e da Educação na Ilha, mas também para a
afirmação do Estado, a valorização do património construído e a afirmação da
«democracia como dono de obra».
Como se
compreenderá, os desafios que temos para a Ilha não poderão ser vencidos sem
uma colaboração muito estreita entre o Governo e o município.
Sei que em todas as nossas queridas Ilhas há muito por fazer. E sei que o Governo tem feito muito em todo lado, mas ninguém me levará a mal se neste momento em que o Par-lamento interpela o Governo sobre a Boa Vista, como Deputado que foi eleito com o slogan «Mais Cabo Verde, mais Boa Vista», chamar a atenção para as necessidades específicas desta Ilha Fantástica, irmã de todas as outras.
Sei que em todas as nossas queridas Ilhas há muito por fazer. E sei que o Governo tem feito muito em todo lado, mas ninguém me levará a mal se neste momento em que o Par-lamento interpela o Governo sobre a Boa Vista, como Deputado que foi eleito com o slogan «Mais Cabo Verde, mais Boa Vista», chamar a atenção para as necessidades específicas desta Ilha Fantástica, irmã de todas as outras.
5. Fecho
Termino,
desejando que este debate nos fortaleça o ânimo para, independentemente dos
partidos políticos que aqui representamos, fazermos mais por Cabo Verde e mais
por Boa Vista.
*Intervenção
do Deputado Aristides R. Lima, na interpelação ao Governo sobre as obras do
Porto de Sal-Rei.